Foi provavelmente a primeira música que ouvi de Samuel Úria, faz quase uma década. Como o tempo passa, não é verdade? Bem sabemos. “É preciso que eu diminua” tornou-se, aliás, a mais célebre canção do reportório do autor de Carga de Ombro (2016), disco que lhe valeu uma notória visibilidade num panorama tendencialmente monogâmico. Não há amor como o primeiro, não é mentira? Enfim, contas de outro rosário. E é preciso que eu diminua devaneios desviantes e vá directo ao que Samuel aqui me trouxe.
Faz quase dez anos que a frase “Eu só sei crescer” ecoa em mim. Precisamente, à medida que fui crescendo. De passagem por essa fase indefinível, a fluorescente adolescência, interminável purgatório entre o ser e o querer ser, até finalmente chegar à idade adulta, de massa cinzenta por fim sedimentada, violento confronto com a realidade de que a seguir a uma crise vem outra. Não há crise existencial como a primeira, verdade ou mentira?
Eu só sei crescer, eu só sei crescer, eu só sei crescer… anos a fio assombrado pelo vazio deixado por esta clarividência cancionada pelo músico tondelense. Autêntica carga de ombro que me tem acordado para o jogo quando me vejo perdido em campo — o que é dizer sempre. E esse marasmo tem tanto de profundo como de superficial: não saber que raio se anda para aqui a fazer é tão ou mais angustiante do que não saber mudar um pneu, acreditem. Crescer, em ambos os casos, por si só não resolve nada. Antes pesa mais ainda (precisamente, nos ombros), de dia para dia, porque crescer não é comboio que faça greve quando menos convém — o que é dizer sempre.
Pior é que essa frase sempre surge como bóia de salvamento à qual me agarro quando, no mar do saber, não há tábua solta por onde pegar. Achar que sei tem sido invariavelmente falsa terra à vista, esbatida lá num horizonte que não chega nem desvanece por mais que avance em direcção sabe-se lá aonde. A ponto de emergir, sempre, como última resposta possível para as grandes questões da vida: o que queres ser quando fores grande?
Pois grande é coisa que, por esta altura, já deveria ser. O problema é que não há prazo definido para se chegar a grande, ainda que quem pouco nos vê seja quem mais depressa o nota. “Estás tão grande!” Estou? Ainda ontem era assim, pequeno projecto a ser grande, sem perceber o que isso implica, e de ontem para hoje sou o único que não vê grande diferença. Continuar a responder que só sei crescer de pouco adianta. Crescer sabemos todos. É o que, afinal de contas, temos andado a fazer desde que cá chegámos. Chega uma certa altura em que crescer é tudo o que queremos saber fazer, para mais tarde crescer ser o que nos resta. Enganaram-nos bem, mentira ou verdade?
Se soubesse que estas eram as verdadeiras dores de crescimento não teria vestido os casacos do meu pai, feito a seco os pêlos da cara a crescer com lâmina de barbear, bebido as primeiras sangrias intragáveis, chorado os primeiros desamores ingénuos debaixo do chuveiro, saído de casa dos meus pais. Se soubesse o que sei hoje não teria crescido. Assim, só sei crescer. E não parar de crescer é morrer.